13
Mai20
Um ser humano de merda.
Maria
Primeiro quis falar. Depois não me apeteceu. Depois apeteceu novamente, respirei fundo e preferi não o fazer. Tudo o que eu pudesse dizer, não passaria de palavras quentes, fortes, desprotegidas pelo calor do momento. No entanto enquanto as horas e dias foram passando e com todas as novidades e notícias que nos chegam cada vez mais macabras, impensáveis, incompreensíveis, mais palavras insultuosas me apetece dizer àqueles dois seres. O que fizeram é desumano. É completamente fora do padrão normal. É inconcebível aos olhos de qualquer pessoa de bom senso e é terrível a quem tem um coração bom. Sim, porque coração todos temos, mas está provado que uns não fazem uso dele, outros há que não sabem para o que serve, e ainda há os que não podem conter qualquer tipo de emoção, aquilo veio com um erro de mal formação.
Às vezes apetece-me gritar e dizer com mágoa que a culpa é um bocadinho do nosso país. Que se a nossa justiça fosse outra, neste País não haveria lugar para quem* deveria tomar conta dos filhos e ao invés disso lhes tira a vida. Na maior parte dos casos, com muita frieza e de forma bem macabra da qual nunca em momento algum se esperaria isso de um Pai ou de uma Mãe. Se a justiça fosse outra, talvez neste País não houvesse, neste caso, lugar para um Sandro ou para uma Márcia. De todo.
Não consigo associar duas coisas na minha cabeça, a tentativa de lembrar a fotografia da pequena Valentina e a procura de respostas para o que lhe foi feito. São coisas opostas. Em que apenas aquela figura une o pensamento. Essa figura que deveria ser, do ser mais apto para a proteger. No entanto, com total frieza, malvadez, e sabe lá mais o quê, porque os dados novos são demasiado chocantes e continuam a aparecer, aquele mostro tirou a vida à filha, deixando-a horas a agonizar, escondeu o corpo, pediu ajuda, viu as pessoas ajudar e ele não o fazendo ou foi beber umas bejecas ali ao lado ou continuou à porta de casa com a mão na cintura como se nada se passasse.
Um ser humano de merda. Daqueles que a meu ver, não terá a justiça possível que lhe deveria ser feita. Primeiro, aquela espécie não sofre. Não pode. Logo não sofrerá por ter tirado a vida a uma filha. Por ter perdido a oportunidade de ser Pai, não só da pequena como das outras duas crianças. Que nunca mais na vida o sentirão como tal. Não sentirá a forma desprezível como meio mundo o olha. Não sentirá o desejo de vingança de tantos, não sentirá o asco de quem gostava de fazer justiça pelas próprias mãos. Não sentirá a dor inconformável da Mãe da Valentina a quem ele tirou tudo. Um filho é tudo certo?
Estamos num País em que muitos gostariam de ser Pais e não chegam a sê-lo. Muitos não conseguem ser e têm verdadeiras lutas diárias para o tentarem. Uns em vão, outros quase por milagre o conseguem. Para se adoptar é quase preciso nascer de novo. Muitos gostariam de ser pais e há pais que tiram a vida dos seus filhos. Como cabe tudo na mesma frase?
E pensar que, a ser verdade, esta espéci apanha no máximo 25 anos de prisão. Sendo que, andando na volta dos trinta, aons cinquenta e pico estaria cá fora, mas nós também sabemos que muito provavelmente nem vinte e cinco anos ficará dentro... Aos cinquenta, tens toda uma vida pela frente.
Que justiça terá a alma da Valentina? A quem infelizmente quem a deveria proteger lhe tirou a vida na loucura dos seus nove anos em que a sua inocência e maior preocupação deveria ser pintar arco-íris em folhas de papel a dizer "Vai ficar tudo bem" para que em breve pudesse distribuir aquele sorriso maravilhoso junto dos seus amigos, brincar no parque da escola e ser feliz?
*assim como outros crimes, mas isso são outros quinhentos